quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Cid Gomes diz ser contrário ao impeachment de Bolsonaro e projeta não disputar novas eleições



Líder de um dos maiores grupos políticos do Estado, o senador cearense Cid Gomes (PDT) planeja se aposentar da carreira política ao final do mandato no Senado, em 2026, e diz ser contrário ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), por receio de que o instrumento acabe sendo “vulgarizado” e coloque em xeque a preservação da democracia no País.

Em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, o pedetista fala, ainda, sobre a condução da crise sanitária e econômica pelo Governo Federal, com críticas à falta de um plano estratégico para frear o crescimento do déficit fiscal do País e recuperar a economia. 

O senador também destaca o crescimento do PDT no Estado no pleito de 2020 e discorre sobre como o partido está se preparando para 2022, além dos diálogos com o PT, mesmo vendo com descrença possíveis avanços para uma união em torno de uma única candidatura em âmbito nacional.  

Na entrevista, Cid também enaltece ‘descobertas’ de lideranças pelo seu grupo político, como Roberto Cláudio e Camilo Santana, e relembra o episódio da ‘retroescavadeira em Sobral’, como ficou conhecido o incidente no dia 19 de fevereiro de 2020, quando o senador foi baleado por policiais amotinados ao tentar retirá-los de um quartel em sua cidade natal: Sobral. 

Confira a entrevista completa 

Senador, o País tem prioritariamente dois problemas muito graves, a questão da saúde, que deu um passo agora com a vacina, e a da economia. Como estão em Brasília os encaminhamentos da resolução dessa crise? 

O Governo Bolsonaro, para mim, é despreparado, liderado por um despreparado, desqualificado. Infelizmente, não dá para ter muita expectativa de que parta dali uma estratégia de recuperação do País. Sei que muita gente, até boa parte dos que são simpáticos a ele, tinha uma crença de 'vamos dar uma oportunidade (ao presidente)'. É óbvio que a gente torce pelo País, mas eu não espero, enquanto liderança, nenhum projeto estratégico, porque ele (Bolsonaro) não tem nenhuma das duas coisas: não tem liderança, é despreparado e, pior, tem uma motivação animosa, beligerante. Vamos ficar ao sabor das coisas. E os prognósticos, ao meu juízo, não são bons. Não me sinto bem em falar isso. Sinceramente, torço pelo Brasil.

O partido até me questiona porque não defendo impeachment. Não podemos vulgarizar essa coisa de impeachment. Salvo melhor juízo, ele deve continuar aí, e a gente, de qualquer forma, deve ver o preço que tem que pagar por uma escolha ruim e pensar mais nas consequências das nossas escolhas. O brasileiro cada vez mais está escolhendo no dia da eleição e não deve ser assim. Isso é ruim, é problemático. Então, sob o aspecto da crise de saúde, nós ainda vamos sofrer.  

A vacina não vai ter um grau de influência, começando quarta-feira (2) ou nesse começo demagógico do Dória (governador de São Paulo, João Dória, do PSDB, que iniciou a vacinação no domingo, dia 17). Isso só mostra o quanto os nossos políticos não estão pensando no povo e estão pensando somente em ações midiáticas. A quantidade de vacinas no Brasil ainda é insuficiente. Ainda vamos sofrer uns dois ou três meses até que caia no eixo do problema, mas um problema que não gere mais superlotação das nossas unidades de terapia intensiva.  

Na economia, é muito mais grave. No ano passado, o presidente estava livre para gastar, o decreto de emergência liberou o presidente do teto de gasto, liberou do cumprimento de déficit previsto no orçamento, ele permitiu que uma série de gastos fossem feitos sem muito respaldo. Isso vai gerar um déficit superior a R$ 800 bilhões. Isso é o maior déficit praticado em toda a história do País. Não tenho dúvidas de que lá para junho vai fechar repartição pública federal e muitos setores vão demonstrar problema. Esse ano vai ser crítico para a nossa economia. 

E o auxílio emergencial, o senhor acha que renova ou cria alguma alternativa? 

Olha, não creio. Os números da economia não permitem que se faça (renovação). Vamos ver o que vai acontecer. Vai ter uma pressão, o Congresso vai pressionar, a população vai pressionar fortemente. Para que se tenha isso, você tem que se ter alguma justificativa. Claro que recrudescimento da pandemia de alguma forma dá essa justificativa, mas a elite não vai fazer coro como fez no ano passado. 

O senhor acha que é possível tocar as reformas neste ano? 

Primeiro, que reforma? A gente vê certo consenso sobre a necessidade de reforma, mas quando você vai ver a reforma que se propõe é um Deus nos acuda. A necessidade de reforma tributária é 100%. Mas é uma reforma tributária que recupera a capacidade de um orçamento que faça jus às despesas, que reduza o déficit do País? Isso significa aumentar as receitas. Nessa hora, a classe empresarial vai dar um pulo com muita justa razão. Simplificar é um ponto consensual, unificar a cobranças dos tributos, mas isso não fará muita diferença com os números. E uma reforma tributária que não faça diferença nos números não é lá essas coisas, mas de qualquer forma para reduzir a burocracia é razoável. 

Então, na visão do senhor, 2021 vai ser difícil? 

Acho que será um ano dramático para a economia brasileira.  

O ex-ministro Ciro Gomes tem apontado motivos, inclusive nas redes sociais, que poderiam levar o presidente Jair Bolsonaro ao impeachment. E o senhor disse que não compactua muito com essa ideia. O PDT vai discutir mais internamente o pedido de impeachment? 

O PDT já discutiu e deliberou pela defesa do impeachment. Se houver qualquer deliberação (sobre o impeachment), prevalecerá a decisão partidária, mas, enquanto não houver essa decisão, tenho ponderado que a gente não pode vulgarizar um instrumento que, ao meu juízo, é para ser utilizado em oportunidades extraordinaríssimas. Até para que isso não se vulgarize e seja usado como fato ideológico. Alguém progressista assume o poder, e com isso vulgarizado por questões ideológicas, alguém vai querer justificar o impeachment, usando um pano de fundo como corrupção. Deve ser o último recurso e em raríssimas exceções. A não ser que mudemos a nossa Constituição e instalemos o sistema de recall, que é aquele que você num dado momento, a partir de uma maioria no Congresso Nacional, pode pedir que o povo se pronuncie pela permanência ou não de quem está no mandato. Só quem pode dar ou tirar o mandato é o povo. O Congresso tira através de impeachment, justificado por um fato extraordinário que é descrito lá na Constituição, crime de responsabilidade administrativa... A Dilma Rousseff (ex-presidente, do PT), por exemplo, eu tenho convicção de que ela não cometeu crime de responsabilidade administrativa, mas foi uma desculpa para segmentos mais conservadores. Não que o governo dela estivesse bom, não estou dizendo isso, mas a democracia é isso. O ‘recall’ pode acabar com isso, não impeachment. 

Cid

E essa decisão do PDT de apoiar o Rodrigo Pacheco (DEM) no Senado. Quais são os compromissos que ele deve assumir com a maioria dos senadores, ele tendo o apoio do Governo Bolsonaro? 

O Senado tem algumas diferenças profundas em seu processo de sucessão em relação à Câmara. Qualquer um dos dois (Rodrigo Pacheco e Simone Tebet, do MDB) representará bem o Senado. Digo isso não pelo arco de forças que cada um fez no seu entorno. O MDB é um partido que tem certa objeção de minha parte, mas a Simone é uma pessoa diferenciada dentro do MDB. Como todo partido, o MDB também tem bons quadros.  O arco de forças que está em torno da candidatura do Rodrigo, muito em função do Davi (Alcolumbre), porque ele foi um presidente habilidoso, é muito eclético. Você vai ter desde um partido em que está filiado o filho do presidente (da República) até o PT, passando pelo PDT. Mais do que uma notícia de que tem o apoio do Bolsonaro, a gente sabe que o Rodrigo tem um comportamento, ao longo desses dois anos, que é de independência, que é o que nós queremos. A Simone tem esse perfil também. Portanto, lá na eleição no Senado, estou tranquilo. Votarei com entusiasmo no Rodrigo, acreditando que ele marcará a sua gestão por independência e, naturalmente, por respeito às minorias que lá militam.  

Cid Alcolumbre

Na Câmara, com todo o respeito, nenhum dos dois tem o perfil ideal. O Baleia (Rossi) é do MDB. Não por isso, mas ele tem um perfil muito voltado para São Paulo. Embora seja presidente nacional do MDB, ele está muito aquém de ser uma liderança como é o Rodrigo Maia. E a gente do PDT vai votar na candidatura do Baleia, muito em atenção ao Rodrigo (Maia), ao trabalho que fez quando foi presidente. Há algumas queixas aqui e acolá, mas ele colocou a Câmara em uma postura de independência em relação ao Governo Bolsonaro. O Arthur (Lira), o outro candidato, é pessoalmente comprometido com o presidente, a gente vê com que frequência ele pede vista, com que frequência ele apoia as matérias, mesmo essas mais ridículas, do Governo Bolsonaro. Mas esse é o menor dos seus defeitos.

Eu o considero um novo Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara que cumpre prisão domiciliar). É o mesmo estilo, da esperteza, da falta de compromissos com o País e unicamente está pensando em arrancar benefícios do Governo, seja através de cargos ou verbas. Ele sendo eleito, o próprio Bolsonaro está dando um tiro no pé, porque ele será o líder da chantagem ao Governo Bolsonaro.  

No Ceará, o PP, que é o partido do Arthur Lira, é aliado do senhor. Há algum constrangimento sobre essa posição? 

De maneira nenhuma. Eu respeito, afinal o deputado AJ (Albuquerque) é do PP e é muito ligado a ele pessoalmente. Isso não significa que eu vá deixar de dar minha opinião. 

O senador Tasso Jereissati tem uma visão em relação à eleição para o Senado e a Câmara de que as instituições têm que trincar os dentes, porque Bolsonaro pode ir para cima. O senhor concorda que precisará de independência? 

Independência, para mim, é pré-requisito. E não é da fala para frente, é da prática para trás. O Rodrigo Pacheco, muito embora esteja no seu primeiro mandato, tem dois anos lá. É só ver como ele votou nesses dois anos, se foi uma coisa de absoluto alinhamento com o Governo Federal ou se foi, como vi que foi, uma linha do ponderado, do razoável. Estou tranquilo. Tasso está correto, a gente deve sempre ter zelo pela democracia, independentemente de quem esteja. Sendo o Bolsonaro (o presidente), mais zelo, mais cuidado a gente tem que ter. Se dependesse só dele, não tenha dúvidas que ele já teria arrumado um jeito de envolver os militares. Ele tem sido frustrado pelo Exército, que é a força maior das Forças Armadas, que já deu declarações, exemplos práticos, de que não adere a essa tese, por mais encantador que seja o comportamento do Bolsonaro em relação a eles.

Temo muito mais as milícias e segmentos mais radicais de Polícias. Iniciativas como essa que estão em votação na Câmara, de tirar a hierarquia, o comando dos governadores em relação às polícias militares, vejo como um gesto muito mais preocupante, embora eu tenha também tranquilidade de que não há clima para isso. 

O senhor acha que a condução da crise na pandemia vai ser decisiva para sucessão em 2022?  

Torço muito. Torço muito para que no Brasil, na eleição de 2022, a gente enxergue a pandemia como algo mais distante, já superado. Esse ano será decisivo. Espero que se paute a eleição de 2022 por um projeto nacional. Sonho que o Brasil faça da eleição um momento de realmente pensar no futuro e que seja menos passional, menos superficial como foi nessa última eleição (de 2018).

O senhor acha que o caminho é uma candidatura de centro? Ciro Gomes já foi colocado como possibilidade. Parece que a centro-esquerda e a centro-direita estão mais próximas do que em momentos anteriores. 

Os partidos não estão maduros no Brasil. Isso gera quadros de muitas candidaturas. A próxima (eleição) ainda será assim, com muitas candidaturas. Apesar de às vezes ter uma sazonalidade, a tendência (da popularidade do presidente), ao meu juízo, será sempre declinante e pode até excluí-lo de um eventual segundo turno. Vamos ver como vai acontecer esse desgaste, mas não tenho dúvida de que ele vai descer ladeira abaixo no que diz respeito à sua popularidade.  Isso, em se tratando do Ciro, de alguma forma ajuda, de outro ponto atrapalha.  

Em política não existe uma verdade absoluta e não tem como a gente projetar a longo prazo. Se fosse uma ciência, a gente colocava no computador e ele dizia como que era. É uma arte.  

Vão ter muitas candidaturas. Diferentemente das eleições passadas, em que você tinha vários partidos com muito tempo de televisão, e o PDT numa faixa bem abaixo, isso não é mais uma realidade. Isso ajuda a candidatura do Ciro. Modéstia à parte, dentro os nomes colocados é o que tem mais preparo, mais conhecimento do Brasil, é o que tem trabalhado por mais permanência. Ele tem vantagem sobre os candidatos que se falam. (João) Dória, para se cogitar como candidato viável, primeiro tem que melhorar sua performance lá em São Paulo, que é muito ruim. Enquanto ele ficar lançando mão desses instrumentos marqueteiros ridículos, outdoor com a vacina, ficar olhando a aprovação da Anvisa e na hora seguinte vacinar só para dizer que foi o primeiro; sinceramente não acredito que isso renda muita popularidade, o expõe como um oportunista. E aí vai ter Luciano Huck, o animador de auditório. O povo brasileiro está cada vez menos tendente a isso.  

Mas o PDT vai procurar dialogar para unir muito mais? 

Claro. Nós já procuramos partidos conservadores, de centro e até de direita na eleição passada. O que nós defendemos, o que o Ciro defende é um grande pacto nacional, um grande projeto nacional, porque ninguém governa sozinho. A nossa administração aqui no Ceará, onde temos o apoio do DEM, do PP, do PL, de vários partidos tidos de centro ou de direita, não fez necessariamente com que a gente abrisse mão de princípios éticos, morais e de um projeto que está acima dessas coisas. E é isso que nós defendemos para o Brasil.  

E o PT? E o Lula? 

O PT já há um tempo deixou de pensar num projeto nacional e pensa na sua sobrevivência enquanto partido. Objetiva e pragmaticamente, o critério que assegura ao partido a sua sobrevivência é o Fundo Partidário. E isso é o que o PT hoje considera importante. Então, lançar candidato a presidente, para eles - salve um melhor juízo ou uma reavaliação do futuro, que eu torço para que aconteça - é um pré-requisito para que façam uma base boa de deputados, que é o que vai dar mais fundo partidário para eles e isso retroalimenta o partido. Acho que eles terão candidato, embora eu torça para que eles ponderem e vejam o exemplo da Argentina. Não que esteja bem, não estou analisando isso. Na última eleição para presidente, a (ex-presidente) Cristina Kirchner, comparando com o Lula, aqui no Brasil, é popularmente uma força maior do que o que foi candidato a presidente (Alberto Fernández). Se a Kirchner fosse candidata, ia acabar fazendo com que se elegesse um candidato conservador, reacionário. Ela teve essa visão e apoiou um candidato que tinha um potencial individualmente menor do que o dela em relação a partido, mas sem um teto. Aqui se aplicaria perfeitamente ao Ciro.  

Na eleição no Ceará e em Fortaleza, o PDT saiu com uma maior força do Estado. Mas em algumas cidades importantes, os aliados do partido perderam essa eleição. Qual avaliação o senhor faz da eleição de 2020 no Ceará? 

Seria pretensão demais a gente querer ser o maior partido e ainda dizer qual vai ser o aliado nosso que vai ganhar. Não temos do que nos queixar. Fizemos a maior quantidade de prefeitos. A gente sempre teve o cuidado de não fazer com que o partido pense só em quantidade, a gente prima também pela qualidade dos nossos quadros e também achamos que não devemos ser hegemônicos. Nossa história aqui é de governar com alianças e esse é nosso ensinamento, a nossa orientação aos nossos aliados. Nós lançamos candidatos em 89 cidades, e ganhamos em 63. É um índice de vitória bastante elevado. Mas dos 184, em 95 cidades nós apoiamos outras candidaturas. Em alguns lugares ganhamos, em outros é natural que a gente perca. Marcou muito, para mim, Caucaia, onde nós apoiamos o PSD, mas teve um episódio lá na véspera de eleição que acabou sendo decisivo para a derrota do Naumi (Amorim). Em Fortaleza, surpreendeu a diferença pequena entre o Sarto e o Capitão Wagner? 

Se você vir a foto como um instantâneo, é claro que isso (surpreende). Mas se você olha como um filme, o filme é muito bom. Você começar com 7% e terminar com 51,4% é um belo roteiro. Agora, se você olhar só o instantâneo do segundo turno... As pesquisas mostravam uma diferença de 20%. Houve um conjunto de fatores: expectativa muito forte de vitória gera acomodação, isso de 'já ganhou' e não precisa mais trabalhar, não precisa mais ir para rua, é o primeiro fator - vitória de véspera. Segundo fator: elevação da abstenção. E geralmente quem não vai votar é aquele que acha que já ganhou. O terceiro fator é a coisa da decisão no dia. Gente que fala: 'Estava até pensando em votar no Sarto, mas esse cara aí já é o poder no Estado, no município, então só de mal eu vou votar no outro'.  

Muito se falou que o Sarto era o “candidato dos Ferreira Gomes”. O que se notou é que nem o senhor nem o Ciro participaram tão ativamente da campanha, pelo menos dos holofotes. Por que vocês não participaram e qual avaliação que o senhor tem sobre esse tipo de análise de “candidato de Ferreira Gomes”? 

O psicológico coletivo e a relação disso com o poder é uma relação sempre em detrimento do "cacique". Sinceramente, não me considero um cacique, não me considero um oligarca, não tenho prática disso, não tenho vaidade disso. Mas a mentira repetida muitas vezes acaba pegando. E a gente de fato é poder, e já é poder há algum tempo. O que a gente faz nessas horas? É muito melhor ser mais discreto. Primeiro, porque já tem quem diga que o candidato é nosso. A oposição já vai dizer que o candidato é nosso. Então, os que são simpáticos à gente já votam. Para que ficar intimando com a oposição? Leva-se em conta também a pandemia. O Ciro foi chamado para participar de campanha no Rio, em São Paulo, em Aracajú, em Natal, em diversos locais do Brasil. E eu fui muito demandado para participar de diversas campanhas do interior. Não queremos nos alvorar de sermos as figuras onipresentes. Nunca quisemos isso, não temos vaidade com isso.  

As figuras mais importantes nessa eleição municipal, os líderes mais populares, são dois líderes que nós demos oportunidade: o Camilo Santana (governador do Ceará, do PT), que até pouco tempo ninguém conhecia e dizia que era um pau mandado dos Ferreira Gomes, e o Roberto Cláudio (ex-prefeito de Fortaleza, do PDT), que também pouca gente conhecia e dizia que era pau mandado. Nenhum dos dois é pau mandado de Ferreira Gomes, até porque nós não queremos pau mandado. Nós queremos é descobrir vocações e estimular essas lideranças.

Os dois maiores líderes eram eles - o Camilo estava impedido no primeiro turno e o Roberto concentrou a campanha pensando nisso. Nós discutimos (a campanha) como colaboradores, como estrategistas, como emissores de opinião, espectadores.   

Em 2022, tem o PT, o senhor é aliado do Camilo. Defende a manutenção dessa aliança local para o Governo do Estado? O PT vai querer ter cabeça de chapa ou o PDT? 

Acho que não tem ninguém burro na política. O burro na política já está fora dela há um bom tempo. Então, quem está na política há mais um tempinho é porque já tem o mínimo de bom senso e compreensão da realidade. Já disse várias vezes ao (José) Guimarães (deputado federal), a quem eu considero a maior liderança do PT aqui, que as nossas diferenças no plano nacional não devem nos afastar no plano estadual. Não nos afastaram nunca em Sobral. Nós de novo reproduzimos lá uma aliança da qual o PT participa e defendo que não nos afaste do plano estadual. Espero que o PT estadual consiga separar uma coisa da outra. 

Vai completar um ano do episódio da retroescavadeira, em 19 de fevereiro. Como o senhor avalia aquele ato? 

Tudo que aconteceu lá em Sobral é uma sequência de fatos que me levaram àquela situação. Eu estava na minha casa e fui demandado. Ligou um, dois, três, quatro, cinco, seis dizendo que estava acontecendo um absurdo lá em Sobral. Policiais, marginais sem fardas em carros da Polícia...  No telefone era: 'olha aqui o que está acontecendo em Sobral'. Eu procuro o prefeito (Ivo Gomes, do PDT), e o prefeito tinha ido para São Paulo, porque tinha sido chamado lá pela Fundação Lemann, que é um órgão que tem ajudado muito na Educação lá em Sobral e ele não podia deixar de ir.  

O prefeito não está e eu me sinto defensor de Sobral eternamente. Tudo que eu fizer por Sobral não é nada diante do que Sobral me deu. E aí resolvi ir para Sobral. Chegando lá, me mostraram (a situação). Eu disse: ‘Vamos andar lá pela rua e quem fechou o comércio abra’. Foi mobilizada a Guarda Municipal, fizemos uma reunião no aeroporto, foi manifestado que a Polícia Civil estava ajudando também. E a nossa visita na rua era uma visita de tranquilização. E aí, num dado momento, pedi para entrar à direita na rua Coronel Diogo Gomes. Não podia, porque tinha o binário e a rua agora é no outro sentido. Então, tem que dobrar na outra (rua). Avistamos o quartel. Já tinha dois movimentos lá. E era em uma rua, ao contrário do que muita gente diz, não era dentro do quartel.  

A única coisa de que eu me arrependo - cometi um ato de violência: puxei pela gola uma pessoa que estava lá, o único que estava sem máscara, que era um vereador lá de Sobral, sargento da Polícia.

Não devia ter feito isso. Isso me custou um murro. Outra pessoa covardemente me deu um murro na boca. Vi que não podia reagir ao murro porque eu tinha feito o primeiro ato de violência, embora atos diferentes porque uma coisa é você puxar alguém pela gola da camisa e outra é você levar um murro. Não tinha familiares, é mentira dizer isso. Só estavam eles (policiais) lá mesmo. Tinham armado uma barricada, e o que eu fiz foi romper a barricada. Se você me perguntar se eu faria de novo, se essa sucessão de fatos tivesse acontecido, eu faria.  

Cid baleado

Teve uma investigação sobre esse seu caso? O senhor chegou a ir? 

Não quero nem saber. Nunca fui intimado. Não sei se tem alguma coisa contra mim, mas não quero mover nada contra ninguém, porque não me interessa. Levei dois tiros e não creio que os dois tenham vindo da mesma arma, não fui atrás de saber de balística. Nunca fui atrás e nem quero saber. Meu estilo é esse. Tendem a dizer que a gente (família) é oligarquia. Fui presidente da Assembleia (Legislativa do Ceará), prefeito (de Sobral), governador. Me diga uma pessoa que eu persegui, que possa dizer que eu usei o poder, usei a máquina para fazer algum mal? E olha que adversário você sabe que não falta. Tenho muito mais amigo que adversário. 

Em relação ao seu futuro político, o senhor está em um mandato de senador. O que o senhor pensa para o futuro? 

O Ciro não gosta que eu diga isso, mas eu digo com toda tranquilidade: não quero mais ser candidato a nada. Ele diz 'homem, tu não pode falar isso, não'. Aí eu digo: 'eu falo, eu falei a vida inteira o que eu penso'. Eu tenho um mandato ainda de senador, são seis anos pela frente, porque o mandato de senador são oito anos. Vou procurar exercê-lo até o fim, honrar a confiança dos cearenses até o último dia. Não estou com raiva da política, não estou chateado, não estou decepcionado. Nada disso. A política, para mim, é mais do que uma vocação e, pela vocação, me sinto na obrigação de militar na política. Militar na política é militar na vida pública, é dar a sua parcela, a sua contribuição, dar a sua energia para ajudar as pessoas a ter uma vida melhor. Me sinto na obrigação. Hoje, por gratidão. Já foi uma vaidade? Claro. Quem não tem uma vaidade? Já fui governador do Estado, reeleito, isso deixa na gente um orgulho, uma vaidade. Sou devoto de madre Teresa de Calcutá, por mais que me esforce para ser desprendido.  

Não quero mais ser candidato, mas vou continuar na política com uma preocupação: de ser ‘headhunter’, caçador de talentos, caçador de boas cabeças na política. Essa é a obra mais definitiva, você fazer algo pelas pessoas.  

Hoje, uma pessoa vai em um hospital do Cariri que foi feito no meu Governo, vai em Sobral em um hospital que foi feito no meu Governo. Você anda em uma estrada aqui do Ceará, metade dela foi feita no meu Governo. Se vai em uma policlínica, todas foram feitas no meu Governo. Se vai em um CEO (Centro de Especialidades Odontológicas), 70% foram feitos no meu Governo, Centro de Eventos... Metrô da Linha Leste vai acontecer, o Acquario, mais dias, menos dias, vão fazer. Espero que se faça, porque é uma oportunidade para a gente desenvolver mais a nossa vocação turística. Há frustrações, coisas que aconteceram, coisas que não aconteceram. Tudo isso é importante, mas mais importante é você dar oportunidade para boas pessoas. Você descobrir um Roberto Cláudio - outros poderiam ter descoberto, porque ele era novo demais, mas eu descobri. O Camilo, um rapaz inteligente, talentoso, tem espírito público, teve a oportunidade porque eu dei. Se não, não teria. E o que eu quero é continuar fazendo isso. E isso eterniza algo. Uma coisa é a obra, a obra é importante, mas colocar na vida pública mais pessoas boas é ainda mais importante, porque eterniza as suas ações.  

No Ceará, a gente tem uma certa de tradição de famílias na política. Por que a família Ferreira Gomes não tem uma segunda geração de políticos? É uma orientação de vocês? 

Nos Estados Unidos também tem. Os Kennedys eram três irmãos, o John, o Robert e o Ted. Um foi presidente, o outro foi candidato a presidente e mataram porque ele ia ser presidente também. E tinha um quarto que morreu na guerra, e era o que o pai tinha pensado para ser presidente. Os Bush foram presidentes da República, Bush Pai e Bush Filho, que ainda teve um irmão que foi governador da Flórida.  

Não é orientação. Assim, só posso falar dos meus (filhos). Tenho um filho de 23 anos que faz Física. Ele fazia engenharia e resolveu mudar para Física. Nem estimulo, nem desestimulo. O meu grande esforço enquanto educador, pai, é criar condição das pessoas serem independentes. Tenho pavor a ser pessoalmente dependente e estimular dependência nos outros. Então, muitas vezes, sou duro na educação, mas é porque quero que os meus filhos sejam independentes, e independência número 1 é escolher o que se quer do futuro.  

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