Várzea Alegre. Duas estantes que estavam instaladas na sala de visita ficaram insuficientes para expor a coleção de cachaças na casa do empresário Dakson Aquino, que reúne mais de 3600 exemplares de rótulos curiosos e de diferentes fabricação nacional e do exterior. A alternativa foi construir, ao lado da residência, um memorial ou museu, que abriga ainda um alambique de produção própria e artesanal da cachaça caseira.
O novo espaço foi projetado pelo próprio colecionador, que é um dos maiores do Nordeste. As estantes em MDF foram confeccionadas também por Dakson Aquino, que aproveita o tempo livre nos fins de semana para ir preparando o ambiente moderno, com luz de LED, som, balcão para degustação e venda da produção própria e de exemplares repetidos.
A ideia saiu do papel, ganhou forma, mas a cachaçaria como também é conhecido o memorial ainda não está aberto à visita dos aficionados. "Não queremos abrir o espaço ao público em geral, por estar na nossa casa, mas às pessoas que conhecem e admiram a cachaça ou querem conhecer a história dessa bebida nacional", explicou Dakson. "As visitas serão feitas por propaganda boca-a-boca".
Ainda não há data definida para a abertura do memorial, mas o colecionador trabalha na finalização do projeto. A esposa, Wandernaid Aquino, apoia e incentiva o marido, participa do processo de fabricação da cachaça caseira e ajuda a arrumar e manter limpas as milhares de garrafas dispostas nas prateleiras. A capacidade do espaço, que começou a ser construído em fevereiro de 2016, é para cinco mil unidades, mas poderá ser ampliada em breve.
A preocupação do colecionador é que as pessoas eliminem antigo preconceito de que cachaça é bebida de 'ponta de rua', consumida por pessoas de baixa renda. "É um produto nobre, que pode ter qualidade melhor do que whisky e o nome cachaça, por lei, é exclusivo do Brasil e a sua fabricação deve obedecer a vários requisitos legais", pontuou Dakson Aquino. "Fora desses critérios, recebe a denominação de aguardente".
Origem
Em 1998, o empresário Dakson Aquino, especializado em contabilidade pública e computação, recebeu um litro de cachaça de presente de um amigo. E foi desse gesto que teve a ideia de começar um hobby que é praticado por milhares de pessoas em todo o mundo: ser colecionador. Começou em casa, em duas estantes, e logo dezenas de garrafas ficavam encaixotadas, ocupando espaços de salas e quartos.
O casal tomou gosto e demonstra ter muita paciência para limpar, conservar e arrumar os litros. Não lhe falta gosto e zelo pelo que faz. "O segredo é persistência e paixão", ensina o colecionador. Os dois vivenciam a expectativa de abertura do memorial para receber curiosos e aficionados.
O curioso dessa história e do começo da coleção é que a garrafa de cachaça dada pelo amigo tinha um caráter de gozação. "Eu não bebo e o presente foi para me provocar, foi uma brincadeira", relembra Aquino. "Guardei a garrafa e dias depois me veio a ideia de fazer um barzinho e comprar outras bebidas para servir às visitas".
O bar foi encomendado a um marceneiro da cidade e, meses depois, Aquino teve outra ideia que se tornou uma fixação: iniciar a coleção de garrafas de cachaça. "Comecei a pesquisar na Internet, conversar com outros colecionadores e adquirir publicações afins", disse. "Tomei gosto e tornou-me um hobby".
Mais antigo
Além de cachaças fabricadas no Brasil, a coleção reúne produção oriunda de Portugal, Uruguai, Paraguai e Venezuela. O exemplar mais antigo é a aguardente 'Tentadora', fabricada em 1945, na Fazenda Santa Terezinha, na cidade de Altos, Piauí.
Há aquelas que são raridades. A caninha 'Pelé', que era fabricada em Sorocaba, interior de São Paulo, é um exemplo. Estima-se que só há seis exemplares no Brasil. Em 1958, depois do Brasil tornar-se campeão do mundo na Suécia, o jovem atleta preferiu não ver a sua imagem associada à bebida alcoólica. "Pelé comprou a produção e destruiu as garrafas", contou Aquino.
Garrafas antigas
Na coleção, há duas garrafas de aguardente 'Ypióca'. "São peças raras porque são de garrafas antigas de 600 ml, e não de litro", explica. Outra raridade é uma garrafa de Cachaça Havana, produzida em Salina, Minas Gerais. Após uma questão judicial internacional houve decisão de impedimento de uso do nome comercial. O fabricante manteve as mesmas cores e designer do rótulo, mas com novo nome - 'Cachaça Anísio Santiago', a antiga Havana, que se tornou um mito. É apontada como a mais cara do Brasil.
Os amigos viajam e trazem novos exemplares de diversas cidades do Brasil e de outros países e, além dos presentes que recebe, o colecionador faz compras pela internet. O mercado online facilita a ampliação da coleção. Alguns exemplares despertam a curiosidade pelo formato inovador das garrafas.
A origem da palavra cachaça é polêmica. Alguns defendem que vem do espanhol. Mas é um produto genuinamente nacional. A produção ocorre no período da colonização brasileira, da época da escravidão e do ciclo econômico da cana-de-açúcar.
É uma bebida que faz parte da nossa cultura. Tem várias denominações e apelidos. O termo 'pinga' só ocorreu, segundo o pesquisador e folclorista Câmara Cascudo, no fim do século XIX. Fruto do processo de destilação, depois da fervura e evaporação do caldo fermentado, que "pingava" na bica do alambique.
Patente
Em 2013, houve a patente do termo e do produto cachaça como exclusivamente brasileiro e reconhecimento pelos Estados Unidos e Europa. A denominação aguardente de cana e caninha passou a ser usada como produto destilado em alambique, e de origem de cana-de-açúcar, segundo legislação de 2003.
A conservação da cachaça em garrafas somente é obtida se tiver fechada. O envelhecimento só ocorre em barris de madeira (umburana e carvalho). Para integrar a coleção, o exemplar tem de ter produção registrada no Ministério da Agricultura e apresentar no rótulo o CNPJ da fabricante. A produção artesanal não é, portanto, catalogada.
A instrução normativa nº 13, de 29 de junho de 2005, oficializa a cachaça como denominação típica e exclusiva de aguardente de cana produzida no Brasil. Atualmente, o Brasil trabalha para que a bebida seja reconhecida pela Organização Mundial de Aduanas (OMA) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC), como um destilado exclusivo do Brasil, da mesma forma como o conhaque e o champanhe na França.
Fique por dentro
Produto exclusivo do Brasil
Em fins de 2016, após 15 anos de espera, a cachaça virou produto exclusivo do Brasil. Para se adequar às regras, a bebida originária da cana precisa ter graduação alcoólica entre 38% e 48% e os estabelecimentos que desenvolvem o produto devem ser fiscalizados pelo Ministério da Agricultura a cada dois anos.
Há uma Indicação Geográfica que reconhece a cachaça como produto genuinamente brasileiro, por países da Europa, pelos Estados Unidos e outras nações. O reconhecimento dos Estados Unidos ocorreu no ano de 2013.
O Instituto Brasileiro da Cachaça (IBC) vê avanços e proteção do produto no mercado externo.
O Brasil exporta aproximadamente 8 milhões de litros de cachaça por ano e, somente a Alemanha, compra 27% desse montante. Para os Estados Unidos são vendidos aproximadamente 700 mil litros por ano.
Passo a passo
1. Plantio da cana-de-açúcar de qualquer variedade. Depois de um ano é feito o corte e o replantio dos brotos;
2. A cana cortada deve ser preferencialmente esmagada ou moída no mesmo dia para aquisição da garapa ou caldo;
3. É feita a filtragem para a retirada de bagaço;
4. É medido o teor de açúcar (brix) por meio de um sacarímetro que deve estar entre 18 e 23 para fermentar;
5. O processo de fermentação ocorre em vasilhames de inox ou de madeira por um período de 24 a 36 horas;
6. Transferir o caldo para o alambique de cobre, onde é adicionado o fogo para aquecimento;
7. Processo de destilação por evaporação e condensação, onde se separa o vinhoto da cachaça em três fases. As primeiras quantidades, entre 10% e 15% é a chamada 'cachaça de cabeça', que deve ser descartada; a segunda - entre 50% e 60% é a 'cachaça de coração (aproveitada); e o restante deve ser descartado por apresentar metais.
8. Envelhecimento. Deve descansar por seis meses em recipiente de vidro ou inox e depois em barril de madeira de carvalho, de bálsamo ou jequitibá (no Brasil há pelo menos 38 espécies apropriadas para o processo) por pelo menos um ano.
Mais informações
Colecionador Dakson Aquino
Bairro Sanharol
Várzea Alegre
Fone: (88) 3541.1642
Fonte: Diario do Nordeste
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