Após 12 anos desativada, casa de farinha reabre com estrutura e rotina artesanais
A mandiocultura sempre foi grande aliada dos agricultores no Semiárido brasileiro. O plantio do tubérculo, por não demandar uma grande quantidade de água, encontrou no sertão um lugar para se desenvolver. Neste contexto, as casas de farinhas se espalharam na zona rural garantindo a produção de seus derivados, como farinha, goma, beiju, tapioca, massa puba, entre outros.
A industrialização deste processo, aos poucos, foi minando este trabalho, que por muitos anos funcionou quase de forma artesanal.
No distrito do Baixio das Palmeiras, em Crato, até a década de 1980 existiam aproximadamente 20 casas de farinhas. Hoje, apenas uma se mantém de pé: a Casa de Farinha Mestre José Gomes. Mesmo assim, ficou muito próxima de se extinguir, já que passou cerca de 12 anos desativada, até ser doada para a Associação dos Agricultores Familiares Sagrada Família, Baixio do Muquém.
Erguida em 1953, nestas quase sete décadas, a casa de farinha ainda mantém sua estrutura artesanal com prensagem manual e fornalha de barro, por exemplo. Num trabalho de resgate, a associação conquistou recursos através da Lei Federal Aldir Blanc, e seu espaço foi reformado, garantindo sua manutenção pelos próximos anos.
A proposta da organização dos moradores é reavivar o plantio da mandioca, muito presente na memória de muitos moradores. Neste final de semana, alcançou o ponto máximo do trabalho: a tradicional farinhada. O processo, ao todo, envolveu diretamente cerca de 30 pessoas, entre cultivadores, arrancadores, carregadores, raspadeiras, cevadores, carregadores de água, lavadeiras, prenseiros e forneiros.
TRADIÇÃO
O presidente da Associação, o agricultor Assis Nicolau, ressalta que essa é uma das únicas casas de farinha do Crato que ainda mantém esta estrutura mais antiga, por isso, desde que o espaço foi doado pelo mestre José Gomes, sua entidade tem trabalhado para mantê-la como um museu vivo, onde todo o processo que envolve a mandiocultura é acompanhado de perto.
“Isso também é para não morrer nossa origem. Preservar essa memória. Aqui podemos contar nossa história para o jovem, para os estudantes. Hoje, tudo é automático, motorizado. Ainda mantemos a estrutura dos antepassados”, explica.
Cada setor da casa de farinha, inclusive, foi pintado sinalizando cada equipamento, como os tanques de goma, o forno e a prensa.
Assis reforça que ainda há produtores de mandioca na comunidade, mas o cultivo só acontece em função da produção da massa puba, onde o processo é mais simples: coloca o tubérculo de molho por cerca de cinco dias, espera sua decomposição e lava.
“Aqui tem todo o segmento, desde os arrancadores aos carregadores. Da raspadeira ao prenseiro. Ainda se mantém a tradição de sentar, raspar, como uma roda de conversa”, diz Assis,
No exaustivo trabalho de forneiro, o agricultor José Cícero Braz, conhecido como Zé de Téta, ressalta que este trabalho é fruto de um plantio que começou há um ano e meio e envolveu muitas pessoas da comunidade.
“Hoje, tudo se aproveita da mandioca. A casca vai para os animais. A farinha, se não quiser, coloca para secar e mistura com a ração”, detalha.
A queda da mandiocultura no distrito do Baixio das Palmeiras e no território do Crato como um todo, na avaliação do agricultor, se deu pela mecanização.
“Hoje, grande parte da farinha é vinda do Paraná, industrializada, oferecendo um custo menor. Aqui, se ocupa muita gente e não tem uma grande perspectiva de lucro”, detalha Zé de Téta.
Para o agricultor, voltar a trabalhar na farinhada traz a memória de seus pais e seus avós, que tinham o sustento na mandioca. “Antes, era muito forte. Começava em maio e ia até dezembro. Ninguém ficava parado”, lembra o agricultor.
A manutenção, para ele, também servirá de estudo para as próximas gerações. “Muitos só têm contato com as casas de farinha modernas”.
O pensamento de Zé é semelhante ao da agricultora Edileuda Tavares, que participou do processo desde a raspagem à embalagem do beiju, realizada ontem e na manhã deste domingo (24). "Isso representa nossas raízes, voltar ao passado. Desde pequena, fazia farinhada com meu tio”, lembra.
Com apoio de toda a comunidade, foram produzidos cerca de 250 beijus, a maioria já encomendados há semanas. A renda será revertida para a associação de moradores. “Todos vieram de forma voluntária, com amor e dedicação”.
Este é o segundo ano de retorno da farinhada. A primeira, em 2019, também foi de grande sucesso. “Fez foi faltar beiju de tanta procura”.
Cerca de 80 pessoas, nestes três dias de farinhada, circularam pelo a casa de farinha, entre pesquisadores, clientes e os próprios moradores, trabalhando de forma voluntária.
“A gente colocou em mente que poderia voltar a funcionar e incentivar o plantio da mandioca, que é nossa essência. É uma cultura resistente à seca. A nossa intenção é fazer isso sempre, para que gere emprego, renda e ofereça outros atrativos para a comunidade”, acredita Assis.
Por Diário do Nordeste
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