quarta-feira, 3 de junho de 2020

Maioria das cidades do Interior desrespeita o isolamento rígido


Escrito por Antonio Rodrigues / Honório Barbosa

Em quatro dos cinco municípios da região Norte que tiveram ‘lockdown’ decretado, há registros de aglomerações. O cenário fica ainda mais preocupante diante da quase lotação dos leitos e da disseminação da Covid-19

Legenda: Caso a curva de contaminação continue crescendo, os hospitais não terão mais capacidade para atender pacientes mais graves
Foto: Divulgação
Diante da escalada de casos da Covid-19, as cidades de Sobral, Itapipoca, Camocim, Itarema e Acaraú, todas na Região Norte, tiveram medidas mais restritivas no isolamento social decretadas pelo Governo do Estado. O ‘lockdown’ passou a vigorar na segunda-feira (1º), com o objetivo de mitigar a disseminação do novo coronavírus e, assim, evitar um colapso no sistema de saúde. No entanto, nos dois primeiros dias de vigência do decreto, o resultado não foi o esperado. Houve desrespeito às normas em quase todas as cidades. 

O cenário preocupa. Os cinco municípios já somam, juntos, 4.852 casos confirmados da Covid-19. O quantitativo é 7% maior do que o registrado na última segunda-feira. Como agravante, a taxa de ocupação dos leitos está próxima do limite. Nas três cidades (Sobral, Itapipoca e Itarema) que têm UTIs dedicadas a pacientes com Covid, a taxa de ocupação está em 93,66% - em Acaraú e Camocim não há leitos de UTI. Já para os leitos de enfermarias, presentes nas cinco cidades, a taxa é de 73,88%. Ao todo, os cincos municípios dispõem de 410 leitos (UTI e enfermaria) exclusivos para tratamento da Covid. Neste universo, a ocupação é de 80,7%. Os dados são confirmados pelas secretarias de saúde dos municípios atualizados às 11h e, os números do Hospital Regional Norte (HRN), são do IntegraSUS, atualizados às 19h27.

Evitar o estrangulamento das vagas - que se mostra eminente -, só será possível com isolamento rígido, avaliam especialistas. “Não adianta abrir vagas e mais vagas se a população não colabora. O mais importante, hoje, é adotar o isolamento”, alerta a médica Luana Costa. Mas, não é o que tem sido observado até agora.

“Tem muita gente nas ruas ainda, e sem máscara. O pessoal ainda não teve a consciência de como esse vírus é sério”, desabafou uma moradora de Sobral, que se recuperou da Covid-19 e que não quis se identificar. O Município registra o maior número de casos no Interior, com 2.416 pessoas infectadas, e é um dos que mais preocupa. A situação de Sobral gera atenção pois a cidade também é referência hospitalar para a macrorregião. 

Só no HRN, que atende pacientes de 55 municípios, dos 99 leitos de UTI, 96 estão ocupados. Apesar das aglomerações, o diretor da Coordenadoria Municipal de Trânsito de Sobral (CMT), Julif Guedes, garantiu que há fiscalização no Município. 

“A PM reforçou as operações”. Há blitz em todos os acessos a Sobral e em algum deles há bloqueios. Além disso, todo o Centro foi isolado. 

Outro município em situação grave pelo grande número de casos é Itapipoca, que já soma 1.043. Na cidade, todos os 17 leitos de UTI estão ocupados. Mesmo assim, muitos moradores seguem se aglomerando. “As pessoas não respeitam. As filas continuam grandes, os supermercados cheios. A Prefeitura barrou as entradas no município, mas ainda não vi sucesso nessa nova medida”, conta a agente de microcrédito Mirelle Dutra. 

O presidente da Autarquia Municipal de Trânsito de Itapipoca (AMTI), Paulo da Mota David, admite dificuldades para conter a circulação de pessoas e veículos, já que muitos, vindos de outros municípios, se dirigem à cidade para utilizar serviços essenciais, como os bancos. “Vem gente de Amontada, Miraíma, Uruburetama”, exemplifica. 

Hoje, o principal trabalho dos agentes de trânsito é conter as aglomerações em dia de pagamentos. “Os agentes estão dando apoio. Isolou a Caixa Econômica, pintou o chão para manter a distância”, enumera as ações.

Com 25 agentes trabalhando por escala, David admite as dificuldades. “É insignificante o número porque fazemos (fiscalização) a noite”, pontua. Outro problema é que a cidade é cortada pela BR-402, que liga o Ceará aos estados de Piauí e Maranhão. “Não podemos ser arbitrários e impedir o cidadão que passa de uma cidade para outra”, pondera David. Os agentes têm orientado para não circularem nas vias municipais. 

Para tentar conter o fluxo, Itapipoca adotou um rodízio de veículos a partir do número final da placa. “Em dias ímpares só circulam os que têm placas ímpar. Em dias pares, apenas final com número par”, explica David. A regra não é aplicada para quem presta serviços essenciais ou veículos de quem tem permissão para trabalhar. 

Já em Camocim, no extremo Norte cearense, a própria coordenadora de atenção básica do Município, Ana Cristina Bernardino, observa que parte da população descumpre as medidas de isolamento social. “A população não está consciente do que está ocorrendo e precisamos da ajuda dos moradores”, pontuou. “As pessoas saem para fazer compras”, completa. 

Apesar da gestão municipal afirmar que vem adotando medidas desde o início da pandemia, uma enfermeira que trabalha em uma unidade básica de saúde e pediu para não ser identificada disse que as medidas preventivas foram adotadas tardiamente. “Fazemos limite com Jijoca de Jericoacara e o fluxo de turismo estava intenso com a praia de Tatajuba, onde os casos de Covid-19 começaram”, pontuou. “Até hoje não há barreira nessa área”. O município, que não tem UTI, já registra 11 óbitos pela Covid.

A professora Ângela Cecília da Silva denuncia que, mesmo com o decreto mais rígido, ainda há muitas pessoas nas ruas e a fiscalização e as barreiras não estão surtindo efeito. “Não mudou quase nada”, garante. 

Um empresário local reforça: “Aqui nada mudou, o quadro atual com lockdown é igual à situação anterior, com muitas pessoas nas ruas e os comerciantes colocando clientes dentro das lojas e fechando as portas”, desabafou. A reportagem entrou em contato com a chefia de Gabinete da Prefeitura de Camocim, mas as ligações não foram atendidas. A gestora do Comitê de Crise de Acaraú, Marjore Viana, também reconhece a existência de aglomerações. “A situação nos preocupa com muita gente nas ruas, nos bancos para receber benefícios sociais, aposentadorias, e isso forma aglomerações”, contou. “A rodovia estadual de acesso a outras cidades passa por dentro de Acaraú e isso traz dificuldades de controle”, afirma. Os casos em Acaraú saltaram 36,5% em uma semana, chegando ontem (2) a 734 infectados. 

Oposto 
A cidade de Itarema é a única onde as medidas parecem estar sendo cumpridas. O empresário Marcos Maia relata que houve uma “pequena mudança no fluxo de pessoas” no centro da cidade em relação à semana passada, quando ainda não havia sido estabelecido o lockdown. A secretária de Saúde do Município, Ana Paula Praciano, corrobora. “Nesses últimos dois dias, houve uma redução do número de pessoas nas ruas”. 

Fonte: Diário do Nordeste

Nenhum comentário:

Postar um comentário