O ano eleitoral traz uma série de restrições às gestões públicas, mas o alerta deve ser redobrado em relação ao gasto com pessoal para que as sanções não recaíam sobre a população. Por ser o último ano de mandato dos prefeitos, ainda que alguns possam buscar a reeleição, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe vedações imediatas às administrações que descumprirem os limites de despesa com folha salarial.
As punições vão desde proibições para efetuação de novos gastos até outras mais severas, capazes de impedir o recebimento de recursos para obras de ampliação de creches, estradas, urbanização e infraestrutura, por exemplo. Isso pode ocorrer quando a verba é oriunda de convênios com o Estado ou com a União, de emendas parlamentares ou de empréstimos que ainda seriam realizados.
Se descumprirem o limite de 54% da receita corrente líquida com gasto de pessoal, as cidades ficam impossibilitadas de receber transferências voluntárias dos outros entes. Quem paga o ônus, nesses casos, é a população, que amarga à espera das melhorias.
IMPACTO DO PERÍODO ELEITORAL
O Código Eleitoral já estabelece restrições similares no que diz respeito a celebração de novas obras conveniadas, mas somente nos três meses que antecedem o pleito. Ou seja, após o resultado da eleição, os repasses podem ser retomados para dar seguimentos as obras. A medida não abrange as transferências obrigatórias, que são aquelas já previstas para a Saúde, Educação e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por exemplo.
Pela LRF, no entanto, as sanções duram até o fim deste ano. Por isso, gestores que já descumpriram os limites da LRF no primeiro quadrimestre devem buscar regularizar a situação imediatamente, para que o relatório da situação fiscal do segundo quadrimestre deste ano não aponte irregularidades no gasto com pessoal. Caso continuem, as sanções seguem até dezembro. Da mesma forma, as prefeituras em situação de alerta devem ficar atentas ao comprometimento da receita para não entrarem na lista de vedações.
Os relatórios são emitidos pelos Tribunais de Contas estaduais (TCEs), que fiscalizam a situação dos municípios em todo o País. No Ceará, o TCE-CE já notificou algumas cidades.
Os limites de gastos com pessoal estabelecidos pela LRF são:
- Situação regular: até 48,59% de comprometimento da receita;
- Situação de alerta: de 48,6% a 51,29% de comprometimento da receita;
- Situação prudencial: de 51,3% a 53,99% de comprometimento da receita;
- Situação irregular: acima de 54% de comprometimento da receita.
SITUAÇÃO DO CEARÁ
No Estado, 64 cidades foram chamadas a atenção pelo Tribunal de Contas do Ceará por estarem em situação de "alerta" ou "prudencial" com o tamanho da despesa dos servidores. Elas ainda não estão irregulares com a lei, mas devem começar a diminuir a despesa para se prevenirem. O balanço é realizado a cada quatro meses pela Corte, levando em consideração os últimos doze meses. Nos casos citados, o período abrange a despesa de maio de 2023 a abril de 2024.
Além delas, 17 prefeituras extrapolaram 54% do comprometimento da receita com pessoa e já devem sofrer com sanções. Confira quais são e os percentuais:
- Antonina do Norte: 54,18% (R$ 24,1 milhões)
- Missão Velha: 54,43% (R$ 78,9 milhões)
- Itapiúna: 54,74% (R$ 43 milhões)
- Pindoretama: 54,97% (R$ 55,1 milhões)
- Lavras da Mangabeira: 55,20% (R$ 62,1 milhões)
- Santana do Acaraú: 55,68% (R$ 59,8 milhões)
- Iracema: 56,46% (R$ 39,5 milhões)
- Jati: 57,11% (R$ 24,9 milhões)
- Nova Olinda: 57,34% (R$ 39,7 milhões)
- Bela Cruz: 57,46% (R$ 66,2 milhões)
- Santana do Cariri: 57,54% (R$ 41,4 milhões)
- Ereré: 58,06% (R$ 22,3 milhões)
- Acopiara: 58,15% (R$ 95,7 milhões)
- Santa Quitéria: 59,22% (R$ 92,5 milhões)
- Amontada: 60,92% (R$ 119,9 milhões)
- Jardim: 61,49% (R$ 64,7 milhões)
- Itapajé: 61,59% (R$ 110,2 milhões)
Por meio de nota, a Prefeitura de Lavras da Mangabeira informou que o município está adotando as providências para se adequar à LRF nos próximos dois quadrimestres, conforme estabelecido na própria legislação. Todavia, por ser ano eleitoral, esse prazo não exclui a aplicação das restrições.
Já a Prefeitura de Santa Quitéria disse que o aumento do gasto com pessoal ocorreu quando a gestão estava sob outra gerência, de maio de 2023 a janeiro deste ano. O comprometimento, inclusive, teria chegado a 63,12% no período, conforme aponta a nota.
A Prefeitura de Bela Cruz informou que o excedente de gasto com pessoal é advindo de gestões anteriores e que a atual gestão se comprometeu a reduzir a despesa ao longo dos anos, uma vez que o desequilíbrio é oriundo do período da pandemia. Segundo a nota, o comprometimento do orçamento com o pagamento de servidores passou de 65,87%, em 2021, para os atuais 57,58%.
A reportagem entrou em contato com as demais prefeituras citadas pelo e-mail cadastrado nos sites das administrações, mas não obteve retorno até a publicação.
PUNIÇÕES ADMINISTRATIVAS
De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, as gestões que se encontram em situação "prudencial" já devem sofrer alguns impedimentos até se regularizarem. São eles:
- conceder vantagem, aumento ou reajuste a servidores; concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a criar novos cargos, empregos ou funções;
- promover alteração na carreira dos agentes públicos;
- de empossar cargo público ou contratar pessoal, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança.
Já as administrações que extrapolaram os gastos com pessoal e descumpriram a LRF estão passíveis a medidas mais severas. Além de receberem as vedações citadas acima, elas ficam impedidas de receber transferências voluntárias, de obter garantia direta ou indireta do Estado ou da União e de contratar operações de créditos — exceto as destinadas ao pagamento da dívida mobiliária e as que visem redução da despesa.
Secretário de Controle Externo do TCE-CE, Carlos Nascimento explica que as restrições podem afetar obras não iniciadas e até em andamento, caso o recurso previsto no orçamento já tenha sido utilizado, e o município precise fazer um empréstimo ou convênio para suplementar a verba do serviço.
"Se o gestor não cumpriu com seu plano de trabalho e não terminou o que seria uma obra já prevista (no orçamento do município deste ano), enquanto ele estiver com a suspensão das transferências voluntárias, esse dinheiro não poderá ser aprovado, porque é um problema do próprio gestor que não conseguiu entregar a obra com um dinheiro que estava previsto anteriormente"
Ele reforça que as restrições não afetam casos excepcionais de serviços essenciais.
Ainda conforme Nascimento, a certidão de regularidade fiscal dos municípios é emitida a cada quadrimestre. Por isso, aqueles que não se regularizarem no segundo quadrimestre ainda estarão passíveis de sanções e ainda poderão receber novas prevista pelo próprio TCE. A certidão possibilita que os gestores se inscrevem em programas do Governo Federal, por exemplo, para realizarem obras de ampliação de vagas na Educação, como construção de creches e escolas.
"Se o Tribunal verificar que o município não está tomando medidas para restabelecer o equilíbrio fiscal, ele poderá receber uma sanção do Tribunal por não se movimentar para retornar aos limites corretos", pontua Nascimento.
Fonte: Diário do Nordeste
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