segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Sítio Bebida Nova, no Crato, tem tombamento aprovado pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará, nesta segunda, 20/12


O Sítio Bebida Nova, localizado na cidade do Crato, teve o tombamento aprovado, pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará (Coepa-CE), nesta segunda, 20/12, durante a 4ª Reunião Ordinária do Conselho, que aconteceu online. Para se concretizar o tombamento do bem, o processo agora segue para homologação do governador Camilo Santana e posterior publicação no Diário Oficial do Estado do Ceará.

Casa do artista Sérvulo Esmeraldo, o Sítio Bebida Nova, onde fica o Casarão da Bebida Nova ou Casarão dos Esmeraldo (como também é conhecido), é localizado na área rural da sede do município do Crato, região do Cariri, no sul do Ceará, e se enquadra na história dos engenhos do Nordeste do Brasil. Lá circulavam importantes figuras políticas, da cultura e da economia rural. Além de uma grande faixa de terra, o empreendimento demandava cursos d’água próximos ao núcleo produtivo. O Crato, com muitas fontes de águas naturais e solo fértil, foi lugar propício para o desenvolvimento dessa economia rural. E, agora, parte desta história poderá ser preservada através do tombamento material do Sítio.

O secretário da Cultura do Estado do Ceará, Fabiano Piúba, também presidente do Coepa-CE, destacou que o tombamento traz duas vertentes importantes como desdobramento. O primeiro deles é o plano de salvaguarda do bem, que implica em uma parceria entre governo estadual e governo municipal por meio das secretarias de cultura, para a sua formulação. Em segundo lugar, é a associação do tombamento à candidatura da Chapada do Araripe como Patrimônio da Humanidade.

“O sítio tem uma visão privilegiada do Crato. Sérvulo Esmeraldo dizia certa vez que as primeiras linhas mágicas de seu trabalho foram traçadas pelo tempo e pela natureza, que é a linha da Chapada do Araripe, ela que para nós já é um patrimônio da humanidade e nós estamos apenas ofertando isso para um processo seja junto ao Iphan, ou à Unesco. Nós temos que, para além de um plano de salvaguarda, pensar em um plano de sustentabilidade para o bem. Da nossa parte, da Secult, a gente compreende que esse processo foi demorado, mas são os tempos para que pudéssemos chegar com as instruções de tombamento mais qualificadas. Ele é um tombamento que tem a ver com a cidade do Crato, com o sertão do Cariri, com a Chapada do Araripe, mas tem a ver com o sertão nordestino e brasileiro. Essa Essa preservação tem relevância não só para o Estado do Ceará. A minha compreensão tem uma relevância histórica, arquitetônica, cultural e de memória para o Brasil”, ressaltou o secretário Fabiano Piúba.

O gestor também parabenizou os servidores da Secult que participaram da pesquisa para o tombamento e os conselheiros que contribuíram no processo. “Temos dois volumes de estudos aprofundados. No volume 1, há uma introdução sobre a importância de atuação do próprio Sérvulo Esmeraldo, mas também sobra a ambiência do local, seguindo por uma análise tipológica de sistema construtivo, das alterações e estado de conservação, trazendo também a justificativa para tombamento e primeira proposta de poligonal de tombamento. A partir das recomendações que recebemos de uma comissão de pareceristas inicialmente, foi necessário um aprimoramento da instrução, onde o volume 2 traz uma análise do estado de conservação, um levantamento fotográfico mais aprimorado, a poligonal revisada, traz também novas diretrizes e recomendações finais importantes. Foi gerado assim um documento de mais de 150 páginas”, acrescentou o secretário Fabiano Piúba.

A Coordenadora de Patrimônio e Memória da Secult Ceará, Cristina Holanda, ressaltou a importância de continuação da preservação do bem após o tombamento. “Esse é um processo administrativo de estudo técnico e reconhecimento do Estado da importância deste bem para o patrimônio, história e memória do Ceará. O processo de preservação dele tem que continuar com pesquisa, com restauro e com ocupação”, frisou.

Instrução de tombamento

Na ocasião da reunião do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará (Coepa-CE),a restauradora Jessica Ohara, da Coordenadoria de Patrimônio e Memória de Secult Ceará, apresentou a instrução de tombamento do Sítio Bebida Nova, destacando sua importância. “A gente conhece mais a questão do Sítio pela presença de Sérvulo Esmeraldo na sua infância e por ser o local onde ele teve seu primeiro ateliê. Ele é um berço artístico do artista e um ponto que aparece diversas vezes na obra dele. Vai tanto contar a história do Sérvulo quanto da arquitetura rural do Ceará. É uma das poucas casas da região do Crato que você pode observar toda a cidade. É interessante quanto a casa está integrada com a paisagem e como ela conseguiu fazer parte daquele ambiente. Na nossa pesquisa, para tentar entender melhor, vimos que a própria população tem muitas lembranças envolvendo o imóvel”, pontuou.

O arquiteto e professor Romeu Duarte, que foi um dos solicitantes do pedido de tombamento, falou sobre as múltiplas dimensões do Sítio Bebida Nova enquanto patrimônio. “A Casa tem uma dimensão paisagística, além de sua história se confundir com o território que está implantado, com toda sua complexidade. Temos pouquíssimos exemplares de um sítio rural tombado. É um bem importante para o Ceará inteiro, é uma casa urbana plantada no meio da comunidade rural, principalmente por ser a moradia de um dos maiores artistas brasileiros”, comentou.

Celebrando Sérvulo Esmeraldo

“Esse momento é fundamental para mim, para a preservação do Sérvulo Esmeraldo, mas de tudo que ele projetou para o Crato. A Bebida Nova não é um local apenas de engenho, que teve contribuição econômica para o Cariri, aquela casa foi um lugar onde tudo começou na obra desse grande artista que pudemos conviver e aprender com ele”, destacou Dodora Guimarães Esmeraldo, fundadora do Instituto Sérvulo Esmeraldo e uma das solicitantes do pedido de tombamento.

5. DIRETRIZES E RECOMENDAÇÕES

5.1. DIRETRIZES PARA A POLIGONAL DE TOMBAMENTO

A Poligonal de Tombamento do Sítio Bebida Nova consiste na área sob a qual incide proteção máxima, a fim de se preservar a integridade do bem da maneira em que ele se encontra hoje, não sendo permitidas em hipótese alguma:

a) construções anexas ao casarão;
b) novas construções, como edículas;
c) Supressão da vegetação contida na área sem a anuência da COPAM/SECULT e do
respectivo órgão ambiental competente;
d) qualquer forma de mutilação ou descaracterização das fachadas do casarão;
e) construção de muros ou qualquer outra forma de vedação que impeça a visibilidade do casarão a partir do logradouro público.

Serão permitidas apenas intervenções de manutenção e restauro, como pintura de fachadas e esquadrias, por exemplo, que estarão sujeitas a anuência da COPAM/SECULT, sendo o proprietário, ou o possuidor, responsável por encaminhar os projetos ao órgão, sob pena de infringir o disposto no § 3º do Art. 4º da Lei 13.465 de 05 de maio de 2004, que dispõe sobre a proteção ao patrimônio histórico e artístico do estado do Ceará.

5.2. DIRETRIZES PARA A POLIGONAL DE ENTORNO

A Poligonal de Entorno do Sítio Bebida Nova consiste na área sob a qual incidem limitações ao direito de construir dos proprietários das glebas contidas na mesma, a fim de se preservar a ambiência do bem tombado, assim como suas visadas. Fica instituído como gabarito máximo (altura total) das edificações que vierem a ser construídas nessa área a medida de 7,22m (sete metros e vinte e dois centímetros), que corresponde a altura da
cumeeira do casarão do Sítio Bebida Nova.

Quaisquer construções ou obras inseridas na poligonal de entorno do Sítio Bebida Nova estarão sujeitas à prévia anuência da COPAM/SECULT, estando o proprietário, ou o possuidor, responsável por encaminhar os projetos ao órgão, sob pena de infringir o disposto no § 4º do Art. 4º da Lei 13.465 de 05 de maio de 2004, que dispõe sobre a proteção ao patrimônio histórico e artístico do estado do Ceará. Os proprietários dos imóveis contidos na poligonal de entorno deverão ser oficialmente notificados pela SECULT após a aprovação do tombamento definitivo pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural – COEPA.

A poligonal de entorno poderá ser revista posteriormente, podendo ser ampliada ou reduzida, com base em critérios estritamente técnicos, ficando tal medida a cargo da COPAM/SECULT.

5.3. RECOMENDAÇÕES GERAIS

Considerando o disposto na lei 13.465 de 5 de maio de 2004 no seu artigo 3°, § 3º, “Os bens tombados não poderão, em caso algum, serem demolidos ou mutilados, nem, sem prévia licença do Departamento do Patrimônio Cultural, serem reformados, pintados ou restaurados (…)”. Portanto, a Secretaria da Cultura do Estado do Ceará tem o dever de zelar pela manutenção desses bens e prováveis riscos que eles corram.

Qualquer modificação estrutural, paisagística e/ou estética no Sítio Bebida Nova deve ser comunicada à Secretaria da Cultura do Estado do Ceará para a sua aprovação. Dependendo do tipo de modificação proposta, o responsável deve enviar os projetos com os seus respectivos detalhamentos, incorrendo em penalidade caso não seja feita essa comunicação e aprovação.

O proprietário ou o possuidor do bem tombado deve comunicar à Secretaria da Cultura do Estado do Ceará caso haja venda, arrendamento ou outro tipo de cessão da área correspondente ao bem.

Quando um bem é tombado pelo Estado do Ceará, o mesmo não se torna propriedade do Estado. Portanto, o proprietário deve arcar com os custos de manutenção, reforma e restauração. Salvo casos de hipossuficiência do proprietário que deve justificá-la para o Estado. Correndo o risco de penalidade caso não o faça. O proprietário do bem deve zelar pela manutenção do mesmo, ficando a cargo do Estado do Ceará através de sua Secretaria da Cultura a fiscalização do bem. O proprietário do bem deverá ser notificado pela SECULT a respeito do tombamento.

Recomenda-se que o Sítio Bebida Nova passe por obras de restauração para que o mesmo não entre em rápida deterioração e que a Secretaria da Cultura, através da sua Coordenadoria de Patrimônio Cultural e Memória, realize atividades junto aos proprietários, municípios e outras secretarias para a criação de um plano de salvaguarda para o bem.

É recomendado que os gestores municipais levem em consideração, quando da elaboração do zoneamento do plano diretor municipal ou da lei de uso e ocupação do solo do município, a existência do bem tombado e de sua poligonal de entorno, de maneira que não sejam previstos usos incompatíveis com as características do local. Recomendamos que seja permitido na região apenas uso residencial de baixa densidade, além de agricultura e pecuária.

Recomendamos que os dois volumes da presente instrução sejam publicados e estejam disponíveis ao público. O Estado do Ceará deve, dentro do possível, garantir a perpetuação do bem na cultura local, podendo fazer isso através de campanhas de publicidade, reconhecimento, oficinas, além de outros meios que se mostrem eficazes.


(…) Feito as rodas d’água que um dia, como por encantamento, saem do riacho e sobem árvores acima, desafiadoras, lindas, brincalhonas no Engenho Bebida Nova (Crato), onde passávamos nossas férias. Eu e os outros meninos deslumbrados com a beleza das árvores incorporadas àquela singela composição mecânica (este espetáculo começava a reunir platéias). Depois de muitas quedas e ferimentos, as “rodas d´água do Sérvulo” foram proibidas. Não desistindo, desci solitário canavial abaixo onde havia um córrego meio escondido e continuei minhas “astúcias” como eram chamadas as minhas experiências. O público fazia falta. Mas, a ausência pode ser um incentivo. Um belo dia convidei os colegas para um novo espetáculo. Tudo era bem feito. Por força do trabalho, as águas eram desviadas, e na falta de árvores, criei estruturas com as varas da cerca. Ficou um trabalho mais “técnico-científico”, e mais poético também. Abri as comportas e começou o show. Um sucesso. De tal forma que prendeu a atenção dos adultos que chegavam aos poucos e, iam ficando pela curiosidade. Seus interesses, e seus olhares me transmitiam a certeza de que eu havia feito um “trabalho”. A presença do público, entre sério e galhofeiro, foi muito salutar (o palco é da maior importância). Havia seriedade e forte indagação no olhar daquelas pessoas, difícil de definir aquele momento como agora. Aos poucos foram saindo. Seu Álvaro, meu pai, botou a mão nos meus ombros, e saímos andando rampa acima, quando lembro que gritei muito profissionalmente: “a água!”. E, profissionalmente, corri para fechar a água (…) (ESMERALDO, Sérvulo; sem data, arquivo pessoal do artista apud NOGUEIRA, J.L.V. et al, Instrução de Tombamento do Sítio Bebida Nova, 2020)

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