Legenda: Juazeiro do Norte (na imagem) é uma das que acusam crise nas contas e reivindicam uma ampliação no volume de receitasFoto: Anderson Duarte/Acervo pessoal
Num momento em que prefeituras apontam um descompasso entre o que recebem e o que gastam, o Diário do Nordeste mostra do que é composta a receita das municipalidades cearenses
Segundo a entidade, entre as que estão nesta situação, o problema tem sido maior nas pequenas cidades, em que 53% estão no vermelho, do que nas localidades de médio e grande porte, em que 38% estão com contas que não fecham.
Dados mostram que a cada R$ 100 arrecadados nos pequenos municípios nos primeiros seis meses de 2023, cerca de R$ 91 foram destinados para pagamento de pessoal e custeio da máquina pública.
A problemática, que também se reflete no território cearense, mobilizou as gestões representadas pela Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) a realizarem, na próxima quarta-feira (30), uma paralisação em prol de medidas que possam compensar a falta de recursos.
No decorrer desta crise, que afeta diretamente o funcionamento da máquina pública e põe em risco a prestação qualificada de serviços básicos como saúde e educação, o Diário do Nordeste conversou com especialistas e gestores para tentar entender de onde vem o dinheiro que compõe a receita dos municípios e porque está faltando recursos nos cofres destas administrações.
SUSTENTAÇÃO DAS CONTAS PÚBLICAS
Dito de forma objetiva, as receitas dos municípios são compostas por dois pilares: a arrecadação própria e a transferência de recursos pelos demais entes federativos, a exemplo dos Estados e União.
No primeiro pilar estão a cobrança de tributos. Fazem parte deste contexto o ISS (Imposto Sobre Serviços), o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e o ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis).
Já no segundo estão os envios de volumes advindos de instrumentos como o custeio do SUS (Sistema Único de Saúde), do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e da repartição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Segundo o consultor econômico da Aprece, André Carvalho, decorrente desta estrutura fiscal, há um fenômeno que explica o fato da dificuldade orçamentária dos pequenos municípios ser maior: a dependência de transferências.
"A tributação própria é muito mais pronunciada nas cidades mais populosas, como as capitais e as cidades de região metropolitana. De 90% a 95% das cidades cearenses sobrevivem das quatro fontes de transferência, FPM, ICMS, custeio da saúde e Fundeb", destrincha.
Essa taxação municipal representa, nos dias atuais, aproximadamente 5% no rendimento das gestões de pequenas cidades, pelo que disse o especialista. "Fundamentalmente, pelo setor de serviços ser muito mais forte nas cidades maiores, eles nunca vão ter mais que 10% da sua arrecadação total advinda destes tributos", conclui.
Para se ter uma ideia disso, até mesmo Juazeiro do Norte, na região do Cariri, que entre janeiro e junho este tipo de arrecadação representou 18% da composição orçamentária, o chefe do Executivo alega que a dotação por transferência é essencial para o funcionamento dos serviços."
Diante desta constatação, a gente verifica que FPM, Fundeb e ICMS para Juazeiro do Norte também são determinantes, assim como para os outros municípios", destaca o prefeito Glêdson Bezerra (Podemos).
Diante do ocorrido, outras prefeituras têm buscado modelagens que possam garantir uma fatia maior de participação dos contribuintes. A de Itapipoca, no Litoral Oeste do Ceará, é uma delas."
Há um trabalho nosso de melhoria das receitas próprias, dos impostos municipais", garante o mandatário do Governo Municipal, Felipe Pinheiro (PT), alertando que isso ainda assim, isso não soluciona o problema vivenciado.
Para o petista, ainda é necessário uma mudança no atual formato de divisão tributária. "No pacto federativo do Brasil ainda há uma concentração dos recursos no governo federal, e onde acontecem as políticas públicas é nos municípios. Temos que repensar isso, distribuir melhor para que os municípios, que realmente desenvolvem as políticas públicas, tenham capacidade financeira", sugere.
Além dos pilares de sustentação das contas públicas já descritos, uma espécie de auxílio costuma ser frequentemente utilizada para a complementação do volume faltante: o direcionamento de emendas parlamentares, sobretudo no financiamento dos serviços de saúde. "
Hoje, e isso está dentro dos repasses da saúde, você tem algo que ajuda muito os municípios, que são as emendas parlamentares. Elas estão praticamente incorporadas ao financiamento da saúde. Os prefeitos dependem bastante para fechar suas contas", especifica André Carvalho.
A aplicação de emendas pelos deputados, chamadas de transferências recorrentes, embora continue a acontecer, é motivo de reclamação de representantes da causa municipalista, que relatam um represamento destas cifras pelo Executivo federal em pelo menos 1.804 cidades nos seis primeiros meses do ano.
E, ampliando ainda mais a lacuna, num comportamento desfavorável para quem está gerindo as estruturas municipais, a cota do ICMS recuou 4,5% em todo o país em razão dos efeitos da criação da lei que limita a cobrança do tributo sobre os combustíveis pelos estados, sancionada em junho de 2022.
O FATOR FPM
Dentre as fontes de transferência, a que tem maior expressividade na contabilidade dos municípios é o FPM, uma vez que 7 de cada 10 deles têm o mecanismo como a principal receita. Dão forma ao fundo as verbas arrecadadas pelo Governo Federal por meio do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Ao longo dos dois últimos anos, houve uma elevação na captação do IR de grandes corporações, o que garantiu uma robustez nos repasses para as prefeituras. Entretanto, pelo que prevê o Ministério da Fazenda, em 2023 o crescimento será de apenas 5%.
O envio das verbas acontece a cada dez dias, ou seja, por decêndios. Os primeiros repasses do mês sempre são os mais expressivos, mas, segundo a CNM, em julho e agosto foi registrada uma queda brusca nas principais parcelas. Neste intervalo, as quantias enviadas foram, respectivamente, 34,5% e 23,56% menores do que os saldos do mesmo período do ano passado.
Ao que salienta Glêdson Bezerra, de Juazeiro do Norte, num mês de referência de R$ 10,5 milhões sua cidade recebeu através do FPM cerca de R$ 6,5 milhões – uma retração que representa R$ 4 milhões na economia municipal. "Estamos atônitos, sem saber o que vai ser o amanhã, porque se continuar com essas quedas vai ficar impraticável", confessa.
O cálculo utilizado para delimitar o valor que cada prefeitura recebe através do FPM tem como base o tamanho da população, aferido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mediante a realização do Censo.
Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU), utilizando de informações prévias do levantamento censitário de 2022, calculou qual seria a dimensão das cotas para cada ente.
A decisão do TCU preocupou prefeitos do Ceará, visto que mais de 30 cidades do Estado haviam contabilizado uma diminuição significativa no número de habitantes, o que iria incidir numa perda de R$ 153,6 milhões do Fundo de Participação dos Municípios. O prejuízo médio para cada um seria algo em torno de R$ 4,2 milhões.
Como resposta à medida do órgão, a Aprece ingressou com um pedido na Justiça Federal e no início de janeiro o juiz Frederico Botelho de Barros Viana decidiu pela suspensão da decisão normativa que resultaria num impacto negativo na contabilidade dos prefeitos e prefeitas.
Para alívio dos mandatários e mandatárias, em junho o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei complementar que mantém os coeficientes do FPM para os que tiveram perda populacional e estabelece uma transição de dez anos para os municípios migrarem para faixas menores de repasses.
O consultor André Carvalho pontua que isso fará com que a perda de receitas seja diluída no decorrer da próxima década. "Então, essa situação já está sanada, em tese, por essa nova lei", disse, ao tratar sobre a situação que poderia piorar ainda mais a saúde financeira.
'PARALISAR PARA NÃO PARAR'
Uma reunião realizada na sede da Aprece, em Fortaleza, na manhã da última quarta-feira (23), definiu os detalhes da paralisação das prefeituras que ocorrerá no próximo dia 30 de agosto. O encontro formalizou a adesão de mais de 160 gestões à mobilização.
Segundo o presidente da entidade, o prefeito de Chorozinho, Júnior Castro (sem partido), o intuito do ato é sensibilizar a população para a problemática da queda de arrecadação dos municípios.
"A gente quer fazer esse momento de conscientização, programado, de forma cautelar e preventiva. Se nada for feito, se nada acontecer para aliviar os cofres dos municípios, acontecerá que muitos deles terão paralisações, como greves por falta de salários, falta de medicamentos e diminuição dos serviços", salienta o dirigente.
De acordo com Castro, a sensibilização também será endereçada aos parlamentares, para haver uma atenção maior e uma ajuda para as administrações públicas envolvidas na problemática financeira.
"Nós faremos decretos justificando a necessidade do dia, deixando os serviços essenciais funcionando", explica o gestor, dando conta de como a medida será implementada nas localidades que aderiram ao protesto promovido pela instituição.
À reportagem, gestores sinalizaram que já passaram a adotar medidas que possam reduzir as despesas - como a diminuição do número de cargos e a implementação de regime de "turnão" - e que já têm sentido os sintomas da falta de dinheiro, a exemplo do atraso no pagamento de fornecedores e a impossibilidade da realização de incrementos na prestação de serviços.
"Nunca foi fácil fazer gestão e agora está pior ainda. Nos últimos meses, estamos sentindo uma grande dificuldade por conta da falta ou engessamento da receita da União, que não está chegando aos municípios", acrescenta Bismark Barros (PDT), prefeito de Piquet Carneiro.
Apenas na saúde, segundo o gestor, há uma diferença de 80% no envio de recursos para o custeio da saúde, se comparado o mesmo período do ano passado. "Significa um grande volume financeiro a menos só na saúde. É muito desgastante e compromete a gestão como um todo", lamenta.
No último dia 15 de agosto, cerca de 2 mil mandatários e mandatárias de prefeituras do País foram até Brasília para um encontro realizado pela CNM. Na oportunidade, os chefes dos Executivos estiveram com parlamentares das bancadas estaduais para solicitarem o atendimento a quatro pautas específicas.
Na lista de reivindicações estavam o apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta os repasses do FPM e ao projeto de lei para recuperação do ICMS pelos estados, a redução da alíquota do INSS e a liberação das emendas de custeio da saúde.
Na última quinta-feira (24), a mobilização ganhou a adesão de mais 8 prefeituras, chegando a 168 o número das que confirmaram participação na paralisação:
- 1. Abaiara
- 2. Acaraú
- 3. Acopiara
- 4. Aiuaba
- 5. Alcântaras
- 6. Altaneira
- 7. Alto Santo
- 8. Amontada
- 9. Antonina do Norte
- 10. Apuiarés
- 11. Aquiraz
- 12. Aracati
- 13. Aracoiaba
- 14. Ararendá
- 15. Araripe
- 16. Aratuba
- 17. Arneiroz
- 18. Assaré
- 19. Aurora
- 20. Baixio
- 21. Banabuiú
- 22. Barbalha
- 23. Barreira
- 24. Barro
- 25. Barroquinha
- 26. Baturité
- 27. Beberibe
- 28. Bela Cruz
- 29. Boa Viagem
- 30. Brejo Santo
- 31. Camocim
- 32. Campos Sales
- 33. Canindé
- 34. Capistrano
- 35. Caridade
- 36. Cariré
- 37. Caririaçu
- 38. Carnaubal
- 39. Cascavel
- 40. Catarina
- 41. Catunda
- 42. Caucaia
- 43. Cedro
- 44. Chaval
- 45. Choró
- 46. Chorozinho
- 47. Coreaú
- 48. Crato
- 49. Croatá
- 50. Cruz
- 51. Deputado Irapuan Pinheiro
- 52. Ererê
- 53. Farias Brito
- 54. Forquilha
- 55. Fortim
- 56. Frecheirinha
- 57. General Sampaio
- 58. Graça
- 59. Granja
- 60. Granjeiro
- 61. Groaíras
- 62. Guaiúba
- 63. Guaraciaba do Norte
- 64. Guaramiranga
- 65. Hidrolândia
- 66. Ibaretama
- 67. Ibiapina
- 68. Ibicuitinga
- 69. Icapuí
- 70. Icó
- 71. Iguatu
- 72. Independência
- 73. Ipaporanga
- 74. Ipaumirim
- 75. Ipú
- 76. Iracema
- 77. Irauçuba
- 78. Itaiçaba
- 79. Itapajé
- 80. Itapiúna
- 81. Itarema
- 82. Itatira
- 83. Jaguaretama
- 84. Jaguaribara
- 85. Jaguaribe
- 86. Jaguaruana
- 87. Jardim
- 88. Jijoca de Jericoacoara
- 89. Juazeiro do Norte
- 90. Jucás
- 91. Lavras da Mangabeira
- 92. Limoeiro do Norte
- 93. Madalena
- 94. Maracanaú
- 95. Maranguape
- 96. Marco
- 97. Martinópole
- 98. Massapê
- 99. Mauriti
- 100. Meruoca
- 101. Milagres
- 102. Milhã
- 103. Miraíma
- 104. Missão Velha
- 105. Mombaça
- 106. Monsenhor Tabosa
- 107. Morada Nova
- 108. Moraújo
- 109. Mucambo
- 110. Mulungu
- 111. Nova Olinda
- 112. Novo Oriente
- 113. Ocara
- 114. Orós
- 115. Pacajus
- 116. Pacatuba
- 117. Pacoti
- 118. Pacujá
- 119. Palhano
- 120. Palmácia
- 121. Paracuru
- 122. Paraipaba
- 123. Paramoti
- 124. Pedra Branca
- 125. Penaforte
- 126. Pentecoste
- 127. Pereiro
- 128. Pindoretama
- 129. Piquet Carneiro
- 130. Pires Ferreira
- 131. Poranga
- 132. Porteiras
- 133. Potengi
- 134. Potiretama
- 135. Quiterianópolis
- 136. Quixadá
- 137. Quixelô
- 138. Quixeramobim
- 139. Quixeré
- 140. Redenção
- 141. Reriutaba
- 142. Russas
- 143. Saboeiro
- 144. Salitre
- 145. Santana do Acaraú
- 146. Santana do Cariri
- 147. São Benedito
- 148. São Gonçalo do Amarante
- 149. São João do Jaguaribe
- 150. São Luís do Curu
- 151. Senador Pompeu
- 152. Senador Sá
- 153. Solonópole
- 154. Tabuleiro do Norte
- 155. Tamboril
- 156. Tarrafas
- 157. Tauá
- 158. Tejuçuoca
- 159. Tianguá
- 160. Trairi
- 161. Tururu
- 162. Umari
- 163. Umirim
- 164. Uruburetama
- 165. Uruoca
- 166. Varjota
- 167. Várzea Alegre
- 168. Viçosa do Ceará
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